O ACIDENTE

 

Primeiro segundo.

A entrada da curva para a direita

Sendo tomada de forma suave.

Tudo parece ir bem.

A viagem mal começou.

Chove.

Eu e minha mulher,

Pensamentos brincando no ar.

De repente o primeiro deslize.

 

Segundo segundo.

O carro começa a derrapar.

A traseira carregando para a esquerda.

Está na hora de virar a direção

Para o mesmo lado

Na tentativa de trazê-lo de volta ao rumo correto.

Ainda tenho a situação sob controle.

 

Terceiro segundo.

O carro começa a voltar,

Acho que consegui dominá-lo.

A velocidade cai

E a traseira já está quase

Alinhando com a frente.

Ainda acho que consegui dominá-lo.

 

Quarto segundo.

A traseira passou do alinhamento

Começando a puxar o carro

Para a direita.

Tenho de trazê-la de volta

Antes que chegue ao acostamento

Que é mais perigoso.

Penso que ainda tenho a situação

Em minhas mãos.

 

Quinto segundo.

Viro a direção também para direita,

Vou conseguir dominar este carro.

A curva vai passando,

Parece que nunca vai acabar.

A traseira começa a voltar para a pista.

 

Sexto segundo.

A traseira vai alinhar com a frente do carro

E nós vamos continuar a viagem tranqüilos.

Já está quase vencido o problema.

Ainda tenho a situação sob controle.

 

Sétimo segundo.

Passou.

A traseira passou novamente

A linha de centro do carro

E começa a carregá-lo

Outra vez para o centro da pista.

Começo achar que posso perder o controle.

A curva não acaba nunca mais.

A velocidade já caiu muito

Mas o asfalto parece estar ensaboado.

 

Oitavo segundo.

Começamos a ser carregados de ré.

O carro vai girando

E atravessando na pista de mão dupla.

Acho que perdi o controle.

É melhor me preparar para o pior,

Prestar socorro à minha amada mulher,

Companheira de infortúnio

Que até o fim acreditou que eu

Conseguiria controlá-lo.

A curva não acaba.

 

Nono segundo.

O carro começa a andar de costas.

Impossível controlá-lo.

Talvez eu consiga colocá-lo no acostamento do outro lado.

Não posso me virar para olhar

Porque se bater eu vou cair lá atrás.

Vou tentar adivinhar a curva.

A velocidade é grande

Para tentar controlá-lo

Andando de ré.

Não vai ser possível,

Mas é a última oportunidade.

 

Décimo segundo.

Desisti.

Não consigo mais guiá-lo.

Agora estamos nas mãos de Deus

Que fará de nós o que bem entender.

Começo a me preparar

Para o que virá após a batida.

 

Décimo-primeiro segundo.

É certo que vamos parar,

Só não sei aonde.

A curva não acaba.

Já estou na contramão.

Chegando ao acostamento do lado oposto.

 

Décimo-segundo segundo.

O carro sobe de traseira

No meio-fio que separa o acostamento do barranco

E desce o mesmo.

Até encontrar uma árvore.

 

Décimo-terceiro segundo.

Acabou o pesadelo.

Vamos sair rápido

Porque o tanque de gasolina

Fica aí atrás.

Tudo bem.

Escapamos.

Deus não quis que fôssemos

Ainda desta vez.

 

 

[ índice ]