PERDIDO

 

Dolorosas recordações

De acontecer ontem,

Carregando em seu espírito,

Pela rua deserta,

Caminha o homem.

 

“Da vida nada tirei” -

Grita amargurado.

“Vivo triste, sozinho,

Correndo entre espinhos,

Nunca auxiliado.

 

Já tive um ninho

E sob aquele teto

Transpus muitas noites.

Hoje existo sem lar,

Sem amigos, sem afeto.

 

Prossigo em sofrimento

Esperando que a compaixão,

Ao rogar um benefício,

Faça-o vir a mim,

Tateando seu coração.

 

Você, passante de agora,

Venha cá, por favor.

Ouça a triste narrativa

De um pobre que sorrindo

Acalanta uma dor.

 

Ufano e ditoso,

Quando fui da sua idade

Freqüentava faculdade.

Agora, com tristeza, noto

Despencar felicidade.

 

Tudo por causa dela.

Sim, foi uma mulher

Que, cativando,

Fez-me abraçar este viver

Esquecendo quem me quer.

 

Por ela destruí

Com um tiro, no cabaré,

Um sujeito meio birrento

Chegado de outra plaga,

Que se mostrava perequeté.

 

Demandei a sua saída

E ele replicou dizendo

”Olha o tinhoso mandando!

Acham que devo obedecer?

Sei o que está querendo”.

 

Deu-me harmonioso tapa

Após ter-se alçado.

Eu, sem fazer ação,

Não poderia subsistir.

Por isso cometi o pecado.

 

Quando adentrou a polícia

Já todos haviam corrido

Sobejando somente eu.

Até o ente amado

Existia desaparecido.

 

Minha família não queria.

Eu fiz questão de amar

Àquela condenada que

Nunca nem foi visitar-me;

Ficava eu a esperar.

 

Se era dia de visita,

Correndo p’ra junto da grade,

Eu demorava aguardando

Um alguém que não queria

Fazer esta caridade.

 

Foram três anos amargos

Lavrados no fundo duma cela.

A existência já era desprezada

Quando o guarda veio vindo

E o “estás livre” subiu à tela.

 

Parti dali apressado,

Fui logo buscar comida,

Porque aquela do xadrez

Demoraria a sair.

Precisava cuidar numa lida.

 

Mas, qual emprego?

Ninguém utiliza presidiário!

De cada lugar eu fugia

Com lágrimas nos olhos.

Melancolia era meu prato diário.

 

Ninguém me compreendia

E nem me favorecia.

Sem nada teria de viver.

Um dia, em andanças,

Defrontei uma escadaria.

 

Lá no alto, após subir,

Um templo eu encontrei.

Nele entrando e rezando,

Veio-me vontade de chorar

E, baixando a cabeça, chorei.

 

Afastei do meu intelecto

Os ruins que ia fazer;

Depois fui saindo,

Descendo as escadas,

E pensando só em viver.

 

Passei a esmolar

E agora sou assim,

Um ser perdido na noite

Pedindo auxílio a todos

Enquanto não chega o fim”.

 

 

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